Desde o início de 2025, a guerra tarifária entre Estados Unidos e China tem redefinido as dinâmicas do comércio internacional. As sobretaxas impostas pelos norte-americanos, seguidas por retaliações do governo chinês, geraram um efeito dominó nos mercados globais, forçando países exportadores a reavaliar rotas, estratégias comerciais e relações diplomáticas.
A guerra tarifária foi iniciada pelo governo americano em janeiro deste ano, com a imposição de uma sobretaxa de 10% nas importações de produtos chineses – que já eram taxados antes de Trump voltar à Casa Branca. Em março, esse valor foi dobrado.
Foi no dia 2 de abril que o presidente dos EUA iniciou a era da “libertação americana” – originalmente chamada de “Dia da Libertação da América” – em que um conjunto de aumentos na taxa de importação foi imposto a vários países com o objetivo, segundo ele, de libertar os EUA de produtos estrangeiros. O governo Trump criou dois tipos de tarifas:
Os países Canadá e México estão fora do regime tarifário “recíproco”.
“O tarifaço imposto pelos Estados Unidos no dia 2 de abril, ao romper a lógica da cláusula da nação mais favorecida, um dos princípios basilares da OMC, altera a competitividade relativa das origens exportadoras para o mercado americano. O Brasil, taxado no nível basal de 10%, ficou em situação relativamente favorável vis-à-vis importantes concorrentes globais.”
— Lucas Ferraz, ex-Secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia
Inicialmente, a tarifa de importação para produtos chineses estava determinada em 10%, quando houve uma taxação extra de mais 10%, totalizando 20% em vigor desde fevereiro.
No dia 2 de abril, o presidente americano anunciou o plano de tarifas recíprocas, incluindo mais uma taxa extra à China, elevando a alíquota de importação para 54% sobre os produtos advindos do país.
Agora, este cenário vem ganhando escalada com a retaliação chinesa e novas tarifas sendo impostas pelos EUA para a China e vice-versa. A China respondeu e impôs a tarifa de 34% para os produtos advindos dos EUA, enquanto o país norte-americano respondeu com mais uma taxação de 50%, totalizando 104% para as importações chinesas.
Com o anúncio de que o país asiático elevaria a taxa de importação para 84% sobre os produtos americanos, Trump elevou a alíquota para 125% – valor que foi somado aos 20% já aplicados antes de abril e, por fim, totalizou 145%.
Enquanto a taxação das importações da China foi aumentada para 145%, com efeito imediato, foi autorizada uma pausa de 90 dias e tarifa recíproca reduzida durante esse período para 10%, também com efeito imediato para os demais países, pelo governo americano.
Dentre os motivos apontados para a elevação da tarifa para a China está o déficit comercial de 2024, que ficou em US$ 295,4 bilhões (R$ 1,75 trilhão), segundo dados do governo norte-americano.
Segundo Ferraz, a China produz 35% da manufatura mundial, sendo três vezes maior que a produção americana e seis vezes maior que a japonesa. Abaixo é possível observar o impacto da guerra comercial no PIB dos dois países: EUA e China.
Os impactos na economia global podem ser refletidos no aumento inflacionário de mantimentos, automóveis, moradias e outros bens, na redução no lucro das empresas e na lentidão no crescimento.
Com o tarifaço, os produtos importados também podem sofrer aumentos em seus preços, o que pode afetar a cadeia produtiva global, inflacionando os preços de insumos ao redor do mundo.
Além disso, a Organização Mundial do Comércio projeta uma redução de 1% para o comércio mundial este ano.
No entanto, as mudanças que estão ocorrendo no cenário do comércio internacional trazem um otimismo para a economia brasileira. Dentre os possíveis impactos positivos, estão:
Em meio à taxação, o governo americano citou o Brasil como parceiro protecionista, tarifando-o com a alíquota de 10%. A justificativa é que o país tem um comércio equilibrado com os EUA.
Veja a seguir quais são os segmentos das indústrias brasileiras que podem ter suas exportações impactadas pelo cenário macroeconômico atual:
Neste gráfico, temos o volume do crescimento esperado para as exportações desses setores da economia brasileira em função da guerra comercial que está acontecendo.
“Os economistas, em geral, falam de impacto de curto, médio e longo prazo. A rigor, longo prazo é o tempo suficiente para os preços que sofreram choque se reajustarem e a economia atinja o seu equilíbrio posteriormente. Quanto tempo isso leva? Isso depende muito, evidentemente, de cada economia, de quão flexíveis são os preços. Então, quando a gente está falando de longo prazo, certamente estamos falando de algo acima de 6 meses, 7 meses.”
— Lucas Ferraz, ex-Secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia
“Aqui no Brasil, acho que estamos falando de um intervalo ao redor de 1 ano, ou até mesmo um pouco mais. Lembrando que esses volumes aumentam em função de o Brasil ter sido um dos menos taxados. Nós ficamos com a tarifa basal de 10% colocada pelo Trump, enquanto competidores importantes do Brasil no mercado americano, como a própria União Europeia, China, Japão, etc., ficaram com uma tarifa muito maior”, comenta.
Lucas avalia, em entrevista para o portal InfoMoney, que a escalada de uma guerra comercial poderia prejudicar o Brasil, em função da assimetria entre as economias americana e brasileira. “Neste momento, a melhor opção para o Brasil seria não reagir, não retaliar imediatamente — porque isso pode piorar ainda mais os custos para a economia brasileira — e sim abrir um canal de diálogo com a diplomacia americana”, explica.
O Brasil é o segundo maior exportador no segmento siderúrgico para os norte-americanos. De acordo com dados da Logcomex, no primeiro trimestre de 2025 (janeiro a março), houve discreto aumento de 5% no valor FOB relacionado à exportação de ferro e aço – US$ 1,7 bilhão – quando comparado ao mesmo período do ano passado.
Em relação à variação do peso em kg líquido, também houve expressivo aumento de 228%, comparado com o primeiro trimestre de 2024, o que pode ser justificado por uma leve queda de 23,25% no preço médio. Somente no primeiro tri deste ano, mais de 3.800 empresas exportaram para os EUA.
Conheça as principais NCMs exportadas do Brasil para os Estados Unidos:
O valor FOB exportado no primeiro trimestre de 2025 manteve-se estável, comparado com o mesmo período do ano passado. A região Sudeste brasileira, com os estados de SP, MG e RJ, liderou as exportações para os Estados Unidos no período analisado. É válido ressaltar que, nos últimos 12 meses, mais de 3.817 empresas exportaram para os Estados Unidos.
A guerra das tarifas entre os Estados Unidos e China vai obrigar as indústrias do país asiático a diversificar seu mercado para escoar a produção interna. Somente no ano passado, foram destinados aos EUA cerca de US$ 438 bilhões em produtos, em sua maioria manufaturados. Este cenário mostra que novas rotas deverão ser avaliadas para o escoamento e a fuga do tarifaço imposto pelos Estados Unidos.
Para o Brasil, pode ser desafiador, já que os produtos chineses podem ser barateados para facilitar o escoamento e, assim, competir com a cadeia de suprimentos local, considerando que o setor siderúrgico brasileiro é menos competitivo que o chinês. Outros segmentos industriais demonstraram preocupação, como o de calçados e o têxtil, em relação ao risco de novas práticas comerciais desleais.
Em relação às exportações do Brasil para a China durante o primeiro trimestre deste ano, houve uma queda de 13,4%, totalizando US$ 19,8 bilhões no valor FOB exportado, em comparação com o mesmo período de 2024.
Principais NCMs comercializadas no período:
Variação do valor FOB das NCMs citadas acima, em comparação com 2024:
É importante lembrar que as regiões Sudeste e Centro-Oeste brasileiras, compostas pelos estados de Minas Gerais (MG) e Mato Grosso (MT), lideraram as exportações para a China no período de janeiro a março de 2025.
No entanto, comparando as exportações do mesmo período com o ano passado, houve uma redução de 13,4% no valor FOB exportado.
Março de 2025 (comparado com o mesmo período de 2024):
1º trimestre (janeiro a março de 2025, comparado com o mesmo período de 2024):
De acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), a oferta brasileira da safra 2024/25 de soja, milho e algodão possui tendência de crescimento, o que pode garantir maior disponibilidade para o consumo doméstico e para a exportação.
A elevação do dólar favorece o desempenho do setor agroexportador. Porém, é preciso cautela diante das imposições tarifárias, que podem afetar os preços dos produtos nos mercados consumidores e provocar uma reorganização das parcerias comerciais entre os países.
A expectativa é que, após o tarifaço imposto pelo governo americano, as exportações de milho, soja e carnes apresentem aumento significativo.
O Brasil é um dos principais exportadores de commodities agrícolas e madeira, o que deixa o país em posição privilegiada perante a guerra das tarifas comerciais.
No entanto, a capacidade logística pode ser um desafio, visto que há dificuldade no escoamento de grãos nos principais terminais portuários do país.