O setor químico-farmacêutico brasileiro e a dependência externa

A crescente dependência de insumos importados e a ociosidade industrial colocam em xeque a sustentabilidade da indústria fármaco-química brasileira em 2025.

A indústria fármaco química brasileira enfrenta um momento crítico em 2025, marcado por uma elevada dependência de importações. Este relatório analisa o cenário atual, tendências recentes e desafios estruturais do setor, com foco em suas implicações para os tomadores de decisão.

Balança comercial e importação

O Brasil importou aproximadamente US$ 12,35 bilhões em produtos farmacêuticos em 2024, valor que representa um crescimento de cerca de 55% em relação a 2013, quando as importações estavam na faixa de US$ 8 bilhões.

Em 2024, as exportações do setor farmacêutico somaram aproximadamente US$ 1,21 bilhão, resultando em um déficit na balança comercial próximo a US$ 11 bilhões. Esse cenário reforça a forte dependência do país em insumos e medicamentos importados.

No segmento químico entre abril de 2024 e março de 2025, o Brasil importou cerca de US$ 65,78 bilhões em produtos químicos, enquanto exportou aproximadamente US$ 15,96 bilhões, gerando um déficit comercial de cerca de US$ 49,82 bilhões no período analisado. Este valor supera o déficit de US$ 48,68 bilhões registrado em 2024.

Dependência de insumos importados

O Brasil importa cerca de 90% dos Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs) utilizados na produção de medicamentos. Essa dependência estrutural revela uma fragilidade significativa da cadeia produtiva nacional, tanto do ponto de vista sanitário quanto econômico.

Principais produtos importados em 2025 (1º semestre)

Dados da Logcomex apontam uma concentração das importações em produtos biológicos e intermediários químicos de alto valor agregado. Os principais destaques por setor foram:

Setor Farmoquímico

  • 3002.15.90 – Imunológicos em doses (vacinas e anticorpos): US$ 1,85 bilhão / 293 t;
  • 2933.19.90 – Compostos heterocíclicos com ciclo pirazol: US$ 480 milhões / 6.475 t;
  • 3002.41.29 – Vacinas humanas: US$ 356 milhões / 270 t;
  • 2933.99.69 – Compostos com ciclo triazol: US$ 347 milhões / 11.411 t;
  • 3002.12.35 – Imunoglobulina G: US$ 168 milhões / 131 t.

Setor Químico

  • 2836.20.10 – Carbonato de dissódico (barrilha): US$ 149 milhões / 802.640 t;
  • 2814.10.00 – Amônia anidra: US$ 89 milhões / 193.046 t;
  • 2902.50.00 – Estireno: US$ 87 milhões / 85.331 t;
  • 2902.43.00 – P-xileno: US$ 68 milhões / 81.953 t;
  • 2901.10.00 – Hidrocarbonetos acíclicos saturados: US$ 51 milhões / 113.707 t.

Esses produtos são fundamentais para a indústria nacional e têm baixa produção local, o que reforça a exposição do país às flutuações internacionais de preço e oferta.

Top 10 Países Exportadores | 1º semestre de 2025 (por valor FOB)

  • Estados Unidos – US$ 910,56 milhões
  • Alemanha – US$ 845,01 milhões
  • China – US$ 827,26 milhões
  • Suíça – US$ 496,58 milhões
  • Índia – US$ 418,33 milhões
  • Irlanda – US$ 386,72 milhões
  • Itália – US$ 232,37 milhões
  • Bélgica – US$ 205,81 milhões
  • Japão – US$ 200,87 milhões
  • França – US$ 197,48 milhões

Esses países juntos concentram cerca de 83% do valor total das importações brasileiras no setor fármaco-químico em 2025 até junho.

Ociosidade industrial recorde

O primeiro trimestre de 2025 foi particularmente desafiador para a indústria química brasileira. A utilização da capacidade instalada atingiu um patamar médio de 62%, uma queda de três pontos percentuais em relação ao mesmo período de 2024. 

Este é o menor nível médio de operação desde 1990, quando a Abiquim iniciou sua série histórica. Consequentemente, o nível de ociosidade atingiu 38%, o pior patamar das últimas três décadas. 

Setores específicos enfrentam situação ainda mais crítica:

  • Intermediários para fertilizantes: 43% de ociosidade
  • Intermediários para plásticos: 45% de ociosidade
  • Intermediários para fibras sintéticas: 51% de ociosidade
  • Intermediários para plastificantes: 53% de ociosidade

Excesso de oferta global

A indústria química brasileira enfrenta concorrência desleal de insumos importados, principalmente dos EUA e da Ásia. O ambiente econômico internacional e a nova conjuntura geopolítica têm direcionado para o mercado brasileiro os excedentes produtivos asiáticos (particularmente da China), da América do Norte (sobretudo dos EUA) e do Oriente Médio (notadamente Arábia Saudita) em operações predatórias de comércio. 

Impacto das medidas de defesa comercial

Em outubro de 2024, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) incluiu 30 produtos químicos estratégicos na Lista por Desequilíbrios Comerciais Conjunturais (DCC). 

Os efeitos desta decisão já são visíveis: no primeiro trimestre de 2025, o coeficiente de penetração de importações (participação das importações no consumo aparente) atingiu 43%, uma redução de dez pontos percentuais em relação aos 53% registrados no mesmo período de 2024. 

Entretanto, os preços médios das importações continuam em queda, registrando recuo de 5,3% entre outubro de 2024 e fevereiro de 2025, o que demonstra que os países exportadores seguem intensificando práticas de preços predatórios. 

Programa Especial de Sustentabilidade da Indústria Química (Presiq)

O Presiq visa alavancar o segmento químico por meio de estímulos fiscais inteligentes, incentivando a adoção de processos de baixo carbono na produção. 

Segundo André Passos Cordeiro, presidente-executivo da Abiquim, o programa tem potencial para:

  • Reduzir o déficit comercial do setor químico
  • Aumentar a utilização da capacidade instalada para até 95% das plantas
  • Gerar impacto positivo estimado de R$ 112 bilhões no PIB
  • Criar até 1,7 milhão de empregos diretos e indiretos
  • Adicionar R$ 65,5 bilhões em arrecadação tributária

Lista de elevações tarifárias

A Abiquim defende a renovação de 30 produtos químicos no âmbito da Lista de Elevações Tarifárias por Razões de Desequilíbrios Comerciais Derivados da Conjuntura Econômica Internacional (DCC). 

O pleito foi encaminhado formalmente à Secretaria Executiva da Câmara de Comércio Exterior (Camex) e representa uma medida considerada imprescindível para preservar a competitividade da indústria química nacional. 

Regime Especial da Indústria Química (Reiq)

Entre as ações já implementadas pelo governo federal, destaca-se a retomada do Regime Especial da Indústria Química (Reiq) e a criação do Reiq Investimento, que visam fomentar investimentos em infraestrutura, inovação tecnológica e expansão da capacidade produtiva do setor. 

Perspectivas e considerações finais

O déficit comercial crescente, a alta dependência de insumos importados e a ociosidade recorde do parque industrial evidenciam a necessidade urgente de uma política industrial e comercial consistente para o setor.

Para empresas do setor, o cenário atual demanda:

  • Revisão de estratégias de abastecimento: considerando a volatilidade dos preços internacionais e a dependência de fornecedores externos.
  • Análise de impacto das medidas de defesa comercial: monitorando os efeitos das elevações tarifárias nos custos e na disponibilidade de insumos.
  • Planejamento de investimentos alinhados às políticas de incentivo: explorando oportunidades como o Reiq Investimento.
  • Desenvolvimento de parcerias estratégicas: criando alianças para fortalecer a cadeia produtiva nacional e reduzir a dependência externa.

A redução da dependência externa, especialmente dos 90% de IFAs importados, representa não apenas uma questão econômica, mas também estratégica para a soberania nacional em setores essenciais como a saúde.


Compartilhe

Assine nossa newsletter

Receba as novidades e promoções exclusivas, fique tranquilo o seu email está seguro com a gente!