O setor calçadista brasileiro apresenta leves sinais de recuperação nas exportações, com um crescimento de 2% em valor e 9% em volume no primeiro quadrimestre de 2025, totalizando US$ 381,8 milhões e 19,6 mil toneladas expedidas, conforme dados da Logcomex.
Esse desempenho, que representa um aumento de aproximadamente 1,7 mil toneladas em relação ao mesmo período de 2024, ocorre em um cenário marcado pelo acirramento da guerra comercial entre Estados Unidos e China, que abriu novas perspectivas para as indústrias brasileiras que exportam calçados.
A reconfiguração de tarifas no mercado norte-americano trouxe uma vantagem competitiva para os produtos brasileiros. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), a taxação sobre o calçado brasileiro nos Estados Unidos subiu de 17,3% para 27,3%, enquanto produtos fabricados na China, Vietnã e Indonésia sofreram aumento de 17,3% para valores acima de 49%. Essa diferença de mais de 22 pontos percentuais tem estimulado o crescimento das exportações para o mercado americano.
Os dados da Logcomex revelam que a Argentina se mantém como principal destino dos calçados brasileiros, absorvendo 21% das exportações no primeiro quadrimestre de 2025, seguida pelos Estados Unidos (18%), Alemanha (7%), França (4%) e Paraguai (4%). Essa distribuição geográfica reflete a capacidade do setor em diversificar mercados, mas também evidencia a relevância do parceiro sul-americano para o segmento.
Na análise por estados exportadores, o Rio Grande do Sul continua como protagonista absoluto, respondendo por 51% do total exportado (US$ 194,7 milhões), seguido por Ceará (19%, US$ 73,5 milhões), São Paulo (9%, US$ 35 milhões), Bahia (8%, US$ 29 milhões) e Minas Gerais (5%, US$ 18,2 milhões). A concentração no estado gaúcho reflete sua tradição histórica e estrutura consolidada na produção calçadista.
Em Franca (SP), um dos polos produtores tradicionais do país, as exportações cresceram 14% no primeiro trimestre deste ano, com faturamento de US$ 64 milhões, impulsionadas tanto pela desvalorização cambial quanto pela ampliação de tarifas para produtos asiáticos nos Estados Unidos.
Apesar das perspectivas positivas para exportação, o setor enfrenta limitações estruturais significativas para aproveitar plenamente as oportunidades abertas no mercado internacional. A escassez de mão de obra qualificada representa um dos principais gargalos operacionais. Em Franca, por exemplo, a capacidade produtiva, que já contou com mais de 30 mil trabalhadores em 2013, hoje não ultrapassa 14 mil funcionários, segundo dados do Sindifranca.
O cenário internacional também traz riscos para o mercado doméstico brasileiro. Com as barreiras impostas pelos EUA, analistas do setor temem um redirecionamento de produtos asiáticos para o Brasil, mesmo com a existência de medidas protecionistas como a taxa antidumping aplicada à China.
Os dados da Abicalçados já mostram sinais preocupantes: somente da China, Indonésia e Vietnã – que representam 80% das importações do segmento – o Brasil importou 6,6 milhões de pares entre janeiro e fevereiro deste ano, movimentando mais de US$ 80,6 milhões. Embora as importações da China tenham registrado queda de 3%, os outros dois países asiáticos ampliaram significativamente sua presença no mercado brasileiro.
De acordo com o presidente do Sindifranca, de toda a produção do Brasil, 85% é destinada ao mercado interno. Se entrar uma grande quantidade de calçados asiáticos aqui, é possível perda de parte desse mercado.
Os empresários do setor têm adotado diferentes estratégias, como a participação em feiras internacionais e eventos do setor no Brasil, que atraem importadores estrangeiros, por exemplo. Outra abordagem importante tem sido a diversificação dos canais de venda, especialmente o comércio online associado à agilidade nas entregas.
A análise dos dados extraídos da plataforma Export Intel – solução da Logcomex – também evidencia que as unidades de desembaraço aduaneiro mais utilizadas para exportação são o Porto de Rio Grande (20% e US$77,7 milhões de FOB movimentado), Alfândega de Uruguaiana (14% e US$52,4 milhões), Aeroporto Internacional de São Paulo/Guarulhos (12% e US$ 47,6 milhões) e Porto de Santos (12% e FOB de US$47,5 milhões), demonstrando a importância da infraestrutura logística para o sucesso das exportações do setor.
Para o restante de 2025, as expectativas do setor apontam para um crescimento nas vendas para o exterior, especialmente para o mercado norte-americano, onde os calçados brasileiros ganharam vantagem competitiva frente aos asiáticos.
No entanto, para aproveitar plenamente essas oportunidades, o setor precisa superar desafios estruturais e desenvolver uma estratégia que equilibre a busca por novos mercados com a proteção de sua posição no mercado interno brasileiro, que ainda representa 85% das vendas totais e pode sofrer pressão crescente das importações asiáticas.