Em meio à escalada das tensões comerciais entre Estados Unidos e China, a América Latina emerge como uma região potencialmente beneficiada pelo redirecionamento dos fluxos de comércio global. Dados recentes do JPMorgan mostram que, enquanto os EUA mantêm uma tarifa base de 10% sobre importações globais, a China ainda enfrenta uma tarifa de 145%, criando um cenário de oportunidades para países latino-americanos que enfrentam barreiras tarifárias significativamente menores.
A mais recente onda de tarifas americanas afeta principalmente economias asiáticas como Vietnã, Índia e China, que exportam aproximadamente US$ 700 bilhões em bens para os EUA anualmente. Considerando um efeito de substituição de país de 40%, como sugere o relatório do JPMorgan, surge uma oportunidade potencial de aproximadamente US$ 280 bilhões a ser disputada por novos fornecedores – valor equiparável ao PIB combinado da Costa Rica, República Dominicana e Panamá.
“A América Latina, e a América Central em particular, se destaca como vencedora relativa ou, pelo menos, como a região que menos perde”, aponta o relatório do JPMorgan.
De acordo com a Logcomex, as exportações brasileiras para os Estados Unidos mantiveram-se estáveis no primeiro trimestre de 2025 (US$ 9,65 bilhões) em comparação com o mesmo período de 2024 (US$ 9,73 bilhões), representando uma variação mínima.
NEARSHORING: PROXIMIDADE COMO VANTAGEM COMPETITIVA
A proximidade geográfica com os Estados Unidos confere uma vantagem significativa no contexto do nearshoring – a transferência de operações produtivas para locais geograficamente mais próximos do mercado consumidor. Enquanto produtos da China podem levar de 20 a 40 dias para chegar aos EUA por via marítima, com custos de frete 13% mais altos devido a tarifas e taxas portuárias, produtos do México podem ser transportados em apenas 1 a 2 dias por caminhão ou ferrovia.
O México e a América Central estão em uma posição privilegiada para aproveitar o nearshoring, capturando uma parte crescente das importações manufaturadas dos EUA que antes vinham da China, por exemplo, destaca o relatório do banco americano. Países como Honduras, Guatemala e Nicarágua oferecem custos de mão de obra altamente competitivos na indústria manufatureira, variando de US$1,50 a US$ 2,50 por hora, consideravelmente abaixo da média de Pequim, que gira em torno de US$4 por hora.
O Brasil, embora não desfrute da mesma proximidade geográfica com os EUA que seus vizinhos centro-americanos, apresenta outras vantagens competitivas. Segundo o Índice de Desempenho Logístico do Banco Mundial citado no relatório, o Brasil aparece com pontuação de 3,2, colocando-se acima da mediana de 141 países analisados. Panamá (3,1), Chile (3), Peru (3), México (2,9) também se destacam na região. O Brasil apresentou bom desempenho especialmente em competência logística (3,3) e pontualidade (3,5).
RECURSOS NATURAIS: A GRANDE OPORTUNIDADE DO BRASIL
A crescente preocupação americana com a dependência de minerais críticos da China abre significativas oportunidades para países da América do Sul, particularmente o Brasil. “Os EUA importaram 72% de seus elementos de terras raras e 42% de seu grafite natural da China entre 2019 e 2022”, aponta o relatório. Para alguns minerais estratégicos, a dependência é ainda mais acentuada, com os EUA dependendo 100% de importações para 12 dos 50 minerais considerados críticos pelo Serviço Geológico americano.
O Brasil, com suas vastas reservas minerais, posiciona-se estrategicamente neste cenário. Além disso, o setor agrícola brasileiro pode se beneficiar significativamente da reorganização comercial, aumentando sua participação nas importações americanas de produtos como soja, café e frutas.
Dados da Logcomex mostram que óleos brutos de petróleo (US$ 1,08 bilhão), outros produtos semimanufaturados de ferro ou aço não ligado, de seção transversal retangular, que contenham, em peso, menos de 0,25% de carbono (US$8 35,3 milhões) e café não torrado, não descafeinado, em grão (US$ 569 milhões), lideraram as exportações para os Estados Unidos no primeiro trimestre de 2025.
Segundo o relatório da JP Morgan, a verdadeira oportunidade da América Latina está em sua vasta riqueza de recursos naturais, preenchendo lacunas em um mundo que avança para uma transição digital e climática, com foco em aumentar a segurança alimentar.
Apesar das oportunidades, o estudo alerta que todas as principais economias da América Latina devem crescer abaixo da tendência em 2025 e 2026, refletindo o impacto das tensões comerciais globais. O Brasil, especificamente, deve ver seu crescimento do PIB reduzido de 2,2% para 1,9% em 2025, e de 1,5% para 1,2% em 2026, segundo projeções do Banco de Investimento JP Morgan.
Entretanto, ao contrário da “década perdida” de 2010-2020, quando a região desperdiçou oportunidades semelhantes devido à incerteza política e subinvestimento, há indicativos de que o cenário atual pode ser diferente. O aumento de 15% nos investimentos em projetos de infraestrutura de Parcerias Público-Privadas na América Latina e Caribe, com crescimento de 25% no número de empreendimentos desde 2021-2022, sinaliza um ambiente mais favorável.
O que é necessário não é apenas um maior desenvolvimento da infraestrutura doméstica, mas também novas vias de interconexão entre os países da região para aproveitar as principais vantagens competitivas de cada país, aponta o relatório do JPMorgan.
Em um cenário onde a guerra comercial global parece inevitável, a América Latina encontra-se em posição privilegiada, com menores riscos tarifários, proximidade geográfica aos EUA e abundância de recursos naturais estratégicos. Para o Brasil, especificamente, a demanda por minerais críticos e produtos agrícolas pode representar uma significativa oportunidade de expansão de seu comércio exterior em meio à tempestade tarifária global que se intensifica.